06 abril 2008

Upgrade Formação Teatral (para reflexão)

Muito se fala dos cursos de iniciação teatral do Centro Cultural Português – Instituto Camões. E os que mais falam são pessoas, como eu, que tiveram a oportunidade de os terem frequentado. Muitos só entram por curiosidade, mas o grosso integra essa formação por amor ao teatro e na esperança de vir a pisar um palco, pelo menos uma vez na vida. Muitos que desistem se arrependem, tentando uma oportunidade nos anos seguintes. Foi uma iniciativa de louvar, que criou muitos actores, técnicos, encenadores, amantes do teatro e, sobretudo, um público cada vez mais exigente. Continua a fazê-lo e espero que continue essa ingrata caminhada.

A mais antiga e completa formação teatral do país (já conta com década e meia) tem conhecido vários melhoramentos, envolvendo professores e colaboradores que por aí já passaram como alunos e que adquiriram novos conhecimentos e experiências, muitas vezes noutras paragens. Porém, nota-se que o teatro em São Vicente tem conhecido uma grande evolução, pelo que as companhias teatrais reclamam cada vez mais formação. Penso que já não nos basta apenas um curso de iniciação teatral. Tal como o nome indica, é um curso limitado, e muita coisa fica por aprender. Aprende-se sempre, e muito bem, o básico e quem quer continuar e complementar seus conhecimentos e técnicas teatrais terá que se contentar com outros meios de estudo, escassos, e alguns curtíssimos workshops que vão aparecendo durante os festivais Mindelact.




Fala-se muito ainda (e salta à vista essa dura realidade) que São Vicente se tornou numa das ilhas esquecidas, comparando com o impulso económico, social e cultural que a ilha deu ao país noutros tempos. O desânimo generalizou-se e os jovens limitam-se ao “tchá ‘contecê”. Porém no meio deste tsunami maléfico há aqueles que tentam sobreviver, lutando e apresentando projectos e trabalho benéfico para a cultura da ilha e do país. É claro que, no que diz respeito ao teatro, essa luta de titãs não é fácil. Muitos actores e técnicos provenientes desses cursos (se calhar os que têm maior cotação artística) não estão disponíveis porque têm que trabalhar a duplicar para sobreviver, enquanto que têm que dividir o tempo com a família que, no entanto, constituíram. E, claro está, a arte de fazer teatro não compensa. As pessoas vão menos ao teatro (com excepção do que se passa no festival Mindelact), uma vez que não há dinheiro que sobre para esse “luxo”. Nem mesmo os actores têm dinheiro para irem ver os amigos e colegas de luta. Felizmente que as companhias têm uma certa cumplicidade entre si e, para cada espectáculo, as portas normalmente ficam abertas para todo o pessoal das artes cénicas. Os patrocínios também vão-se escasseando e certas empresas e entidades apoiam de forma insignificante ou simplesmente não apoiam os projectos das companhias, por mais interessantes, importantes e sérias que sejam. Algumas se acomodam no facto de apoiarem o festival Mindelact e dizem não terem conhecimento da lei do mecenato.

É claro que o público não vai gastar seu escasso dinheirinho num espectáculo de qualidade duvidosa. E as despesas aumentam para as companhias com campanhas de marketing. As companhias que já conquistaram o seu público fazem de tudo para não o perder, enquanto que as novas vão tentando conquistar o seu, à custa de muito suor e boa vontade. Os “mecenas” (eles também parte integrante desse público) tornaram-se mais exigentes e não apoiam um projecto mal apresentado e que não traga alguma contrapartida (pelo menos a nível publicitário). Nisso, os menos experientes vão ficando para trás.

Embora a comédia continue sendo o género de eleição do público mindelense, outros géneros ganham terreno. Entre os quais a tragédia, o teatro gestual e recentemente o musical. Porém são géneros que exigem mais das companhias, quer no campo da representação, como nos da técnica e da produção.

Com todas essas exigências que imperam, torna-se cada vez mais necessário a criação de condições técnicas e pedagógicas para apoiar quem queira continuar e aventurar-se na mais completa e complexa das artes. Além do mais, o teatro ainda não faz parte das opções universitárias nacionais, nesta mais que óbvia mudança de acto. Necessário já se torna uma formação com complementos leccionados de forma mais exaustiva como a dramaturgia, produção, sonoplastia, iluminação, promoção e marketing artístico, multimédia, música e canto, dança etc. Tudo isso sem pôr de parte uma mais exigente formação de actores no campo da interpretação, história do teatro universal, história do teatro cabo-verdiano e línguas. Não que esteja a ser exigente ou então um visionário. Pelo contrário, temos que ver um futuro do teatro com maior qualidade, com um público que crescerá com a nossa qualidade e diversidade de produção. E o teatro poderá ser um grande mercado de exportação de futuros apresentadores de televisão, técnicos, realizadores, guionistas e estrelas de séries, novelas e filmes que, acredito que estejam não muito longe de aparecer.

Nisso o Curso de Iniciação Teatral do CCP-IC continuará a ter sua importância, para ser mais tarde complementada com um curso mais avançado. Ou ainda esse curso terá de deixar de ser um curso para principiantes e se torne num curso mais abrangente, exigente, com maior qualidade e com mais formadores, garantindo assim um teatro sempre à frente. E, tendo em conta a história cultural e teatral desta ilha, o seu público ímpar e a polivalência e versatilidade de suas gentes que são actores natos, São Vicente deveria ser transformada num autêntico centro de formação das artes cénicas. Para a posteridade e desenvolvimento da cultura nacional.

Deixo essas palavras para reflexão.

Neu Lopes
SARRON.COM – Companhia de Teatro

2 comentários:

Unknown disse...

Muito interessante e pertinente, o teu artigo Neu. Mas atenção, quando dizes que «As pessoas vão menos ao teatro» não é correcto. As pessoas vão mais, sem dúvida. A questão é que há muito mais oferta do que havia no passado. Lembras-te do Março do ano passado? Todos os espectáculos esgotados. No mindelact, idem. Não corresponde, pois, à realidade que o publico esteja a diminuir. Anraço.

sarron.com - Companhia de Teatro disse...

Exactamente por isso que abri um parêntesis sobre o Festival Mindelact. Mas tens razão, João, em relação ao Março também. Mas e fora desses certames teatrais? Está a ficar cada vez mais difícil, não por falta de vontade do público ou da qualidade dos trabalhos. Apenas por falta de dinheiro. Não é à toa que grupos que fazem espectáculos no final do mês têm a probabilidade de obter melhores resultados de bilheteira.