15 outubro 2007

Mais espectáculos no Mindelact 2007



Marcado por uma maior presença internacional o Mindelact 2007 decorreu num ambiente de muito trabalho (para não variar). O que faltou, em minha opinião, foi mais convívio, num pátio pouco animado e o “carismático” Bar Mindelact. É que o bar, para além de estar agora situado num piso acima, com acesso através de uma escada metálica em caracol (um pouco incómodo para as senhoritas que nos alegram com os seus atraentes trajes menores), esteve despido da decoração usual. E penso que foi unânime a opinião de que o modernismo trazido àquele espaço prejudicou sobremaneira o convívio a que todos estamos acostumados. Mas, com certeza, adaptar-nos-emos a essa mudança.

De qualquer forma a associação terá que repensar o factor intercâmbio do festival, não ficando resumido a breves conversas de quintal entre espectáculos. Senti ainda muita falta do espaço do Kasa d’Ajinha. Não havendo esse espaço dever-se-ia criar alternativas.

Mas falemos do mais importante do festival – os espectáculos. Denota-se uma melhoria no que diz respeito à realização dos espectáculos. O Festival Off teve melhor qualidade, mas senti que o espaço infantil, Teatrolândia foi pobre (entende-se, não a nível de qualidade, mas sim de diversidade). Já os espectáculos do palco principal tiveram mais qualidade e diversidade (comedia, tragédia, infantil, monólogos, gestual, marionetas com “Titiricircus”), embora tenha sentido algum desequilíbrio. Esse desequilíbrio foi mais devido à fraca qualidade dos espectáculos nacionais. O Grupo de Teatro do Centro Cultural Português apresentou “A Casa de Nha Bernarda”, dez anos depois de sua estreia, pelo mesmo grupo, mas com menor qualidade, principalmente no que diz respeito à interpretação. Gostei mais da versão antiga, que vi em vídeo. Um drama interessante, com um ambiente pesado, mas que não teria que ser cansativo. Uma encenação longe de ser soberba, mas bem conseguida, com uma actuação sem falhas, mas que pecou pela interpretação marcada por visíveis desequilíbrios entre as actrizes. Não tive a oportunidade de ver “Martur”, pelo que não ouso comentar, mesmo depois de ter ouvido comentários geralmente negativos e de ter visto o pesado semblante que rodeava os elementos da Companhia de Teatro Solaris depois do espectáculo. Quanto ao grupo OTACA, apresentou o mais fraco dos espectáculos que tive a oportunidade de assistir, assombrando melhores actuações que anteriormente a troupe apresentara. É claro que escusado é dizer que pede-se mais qualidade e profissionalismo dos grupos nacionais. Contudo, houve espectáculos mais interessantes de grupos nacionais no Festival Off, nomeadamente o do Grupo de Teatro Nova Sintra da Brava “Gossi não, dispôs” ou ainda do pontualmente (?) formado Cena Sete para apresentar “Olha o Passarinho” e ainda destacando “Psycho”, da Companhia de Teatro Solaris (embora com uma actuação menos conseguida do que da primeira vez, a actriz Lucy Mota esteve melhor).


Por outro lado, os internacionais marcaram, como sempre a diferença. Espectáculos com estilos variados e de qualidade inquestionável. De destacar as estreias absolutas de “Sozinha no Palco”, de Mário Lúcio numa co-produção das companhias Cair-te Teatro e Teatro Reactor, e de “Contos em Viagem.Cabo Verde”, uma proposta do Teatro Meridional, a partir de uma recolha de textos de vários autores cabo-verdianos. Nem sempre espectáculos bons, mas, seguramente com qualidade que demonstram a diferença entre ser profissional e ser amador (mas já lá vamos). O Teatro Meridional, galardoado com o Prémio Copacabana 2007, apresentou duas propostas diferentes: “Contos em Viagem. Cabo Verde” e “À Manhã”, todos à volta da língua e das tradições. O primeiro espectáculo foi o fruto de um trabalho muito interessante sobre escritores cabo-verdianos, muito bem interpretado e com um trabalho musical e design de som jamais visto por aqui. Pensei que depois daquele espectáculo, se não visse mais nada, dar-me-ia por satisfeito. Porém, o segundo, tentando resgatar uma linguagem rural portuguesa em vias de extinção, marcou pelo diálogo, linguagem, caracterização das personagens e ainda pela brilhante interpretação. Com certeza, esse grupo terá atingido seus objectivos. Mas ainda tenho que destacar a minha satisfação em ver “Tubavoa” com Bernard Massuir e o colega Roberto Broto, “Tradições Perigosas” com o Miragens Teatro de Angola, um espectáculo bastante eléctrico, tal como o anterior, porém versando mais as raízes desse pais irmão, “Muy Sua”, um espectáculo dos colombianos Sud Teatre Cenit que muita gente não entendeu, e foi aí o erro, uma vez que, na minha opinião, não era um espectáculo para ser compreendido, mas sim para ser sentido, ou ainda “Pax Romana” do ESTE - Estação Teatral e “Ponéle Onda” dos argentinos Tangorditos que tiveram a maior carga cómica do festival. Falando particularmente, de “Ponéle Onda”, tratou-se de uma comédia inteligente que poderia ser visto por pessoas de várias idades, porém com algumas passagens género Herman José, em que se não está acima dos acontecimentos não entendemos grande coisa (lembro-me ainda do Garibotto, com uma careta de fazer rir, fazendo se passar por galinha, a pedir “Green Peace, help me!”). “Pax Romana” apresentou uma comédia hilariante com uma espécie de “latim modernizado”. E deixei para falar no fim de “Bienvenue dans ma tête” com o marroquino de Paris, Khalid K. Um espectáculo arrojado com muitos efeitos sonoros e ambientes criados ao vivo, não descurando da interpretação de várias personagens que davam ainda maior vida a esse espectáculo. Muito técnico, mas também muito teatral, levando o público ao rubro.

O Festival Off , por sua vez, apresentou propostas aliciantes como “O Doido e a Morte” pelo Grupo de Teatro do Centro Cultural Português – IC, um espectáculo muito divertido e bem construído, onde realmente (talvez com a ajuda das máscaras) se vê personagens construídas e trabalhadas, “O Céu é cheio de uivos”, apresentado por Suely Duarte, contando com o apoio cenográfico e técnico de Hélder Lopes (Doca), inserido no projecto Salvem a Língua de Camões 2005, “Psycho” de Valódia Monteiro, e apresentado pela Companhia de Teatro Solaris, “Góssi Não, Dispôs” do Grupo de Teatro Nova Sintra (Brava), “E Tudo os Sapatos Levam”, pela companhia Lua Cheia (que começou duma forma muito interessante mas, penso, que depois se dispersou, perdendo um pouco a maior graça, mas sem perder a linha. Nem mesmo com a chuva que foi ameaçando, até acabar com o espectáculo), ou ainda o mais conseguido dos espectáculos off “Demorenum 121” pelo Teatro Reactor e Cair-te Teatro. O mais fraco foi “Mudjer Trabadjadêra” da Banda Teatral Morrense (Maio), fazendo transparecer um certo nervosismo e uma necessidade de haver maior amadurecimento do trabalho. Contudo a organização fez um bom trabalho e, sim, o Festival Off já ganhou seu espaço, definitivamente, no Festival Mindelact.

Penso ainda que o espaço infantil precisa de maior apoio uma vez que o teatro infantil tem ganhado maior espaço na cena teatral mindelense. É só ver a maior procura, as saídas do TIM - Teatro Infantil do Mindelo para as outras ilhas ou ainda a criação do Junho – Mês do Teatro Infantil. Neste Mindelact o TIM apresentou uma proposta muito interessante e bem conseguida, “A Feiticeira e a Pombinha”, mas não se viu mais propostas nacionais, e mesmo as internacionais foram poucas. Ficou aquela vontade de ver mais além de “Aguakuke” da companhia Lua Cheia e “O Charlatão” do Teatro Arado.

O Festival Mindelact 2007 ficou ainda marcado pelo teatro de rua e pelas actuações nas zonas rurais, entende-se São Pedro e Calhau, e pelas fantásticas actuações do Homem Estátua. Para o encerramento do festival, um espectáculo de dança que foi preparado em menos de duas semanas pela coreógrafa brasileira Cármen Luz, envolvendo cerca de 30 participantes entre actores e bailarinos. Com alguns movimentos repetitivos, não deixou de ser interessante e de uma certa beleza coreográfica. De destacar o resultado aceitável para um espectáculo que foi preparado em tão pouco tempo.

As acções de formação também tiveram o seu usual destaque. Interpretação, Dramaturgia, Música, Sombra foram alguns dos workshops que demonstraram que há cada vez mais interessados nas artes cénicas.

Volvidos já esses dias de palco, algumas ilações podem ser tiradas, pelo que passo a destacar:

- É necessário, sim, que haja concurso e uma selecção cuidada dos espectáculos ou projectos, independentemente de que companhia for, visando uma melhor qualidade dos espectáculos (há companhias nacionais que, com certeza, estarão a nível ou melhor que algumas estrangeiras);

- As companhias nacionais, terão que se esforçar mais e demonstrar que aprendem com as várias acções de formação para elas preparadas, com o seu próprio trabalho desenvolvido, sempre para um teatro com mais qualidade;

- Teremos que assumir uma postura mais profissional, mesmo que não sejamos profissionais dessa arte;

- Teremos que ir à luta, convencer os mecenas que nossos projectos são realmente viáveis, e não ficar à espera de apoio sem mostrar o que realmente valemos;

- Os mecenas não poderão ter receio de apoiar os projectos que forem desenvolvidos com todo o profissionalismo, demonstrando respeito por esses e seus criadores e acreditando que para além de ganharem, é o nosso país que ganha;

- No âmbito do festival internacional de teatro deve haver a promoção de um melhor convívio, para que haja intercâmbio, troca de ideias e experiências, e surjam igualmente oportunidade para que outras companhias nacionais possam também ter a oportunidade de representar o país em outros festivais de teatro além-fronteiras;

- Melhor inter-ajuda entre as companhias nacionais, promovendo novas experiências, entre as quais co-produções;

- Os espectáculos devem passar a ser classificados por idades e as companhias devem responsabilizar-se por este facto.

E, com certeza, haverá muito mais que, neste instante, não me recorde de nomear aqui. O “Março, mês do Teatro” tem um lema: “Mais teatro para um melhor teatro”. Porém deve-se acrescentar “E melhor teatro para mais teatro”.

Essas são as minhas opiniões, claras e imparciais. Penso que sou capaz de fazer melhor, portanto somos capazes de fazer melhor. É claro que nos esforçamos muito, mas, como em qualquer área profissional e cultural deste pais, precisamos fazer mais. Nós, fazedores de teatro, nós companhias, nós Mindelact.

Até lá vamos reflectir muito e dar mais que o litro.

Abraços fraternais


Neu Lopes

Um comentário:

Unknown disse...

Neu, os meus parabéns primeiro, pela coragem de escrever este post, depois pela sua objectividade e utilidade, para alguém que, como eu, não pôde assistir a todo o Mindelact. Concordo contigo acerca do bar: aquela escada dá cabo de qualquer um, deixou-se de ter o "tal local". E em relação à Kaza D'Aginha, mesma coisa. Só um reparo: Talvez desse jeito dividir o texto em blocos, cada um com um título, só para combater a preguiça que se sente quando olhamos para um post tão longo...