Estão sanadas todas as dúvidas – o Cine Éden-Park já faz parte do nosso passado. Com o negócio à beira de estar totalmente realizado (falta apenas a assinatura da escritura), a guerreira Maria Luíza Marques da Silva, que durante anos a fio tentou evitar esse momento, entrega agora todas as armas. Inclusive a tela de projecção, uma das últimas aquisições para a modernização do cinema, desceu, numa cena de despedaçar o coração. Para trás ficarão anos de trabalho e uma história que enche de orgulho a todos os mindelenses e a qualquer cabo-verdiano que se preze.
O Éden-Park foi mais do que uma sala de cinema – foi a sala de espectáculos que preencheu o coração cultural de todos os mindelenses, que recebeu inúmeras actividades de cariz cultural e a maior escola de vida de todo o Cabo Verde. Porém, não resistiu às inúmeras consequências do modernismo, da liberalização dos media e da falta de controle de qualidade, de direitos de autor e mesmo à insensibilidade à protecção da cultura e seu património durante dezenas de anos de governação.
A queda do Éden-Park é a prova do nosso conformismo, incapacidade e impotência em fazer face a muita coisa que acontece debaixo do nosso nariz e assistimos impávidos e serenos.
Símbolo mindelense, levantado na mais nobre zona da Capital Cultural cabo-verdiana, esse edifício que muitos pensavam ser intocável e inalterável, pela sua exuberância e beleza ímpar, poderá ir abaixo em questão de dias ou quiçá de horas. Restar-nos-á, então, apenas a imagem e a recordação do edifício e da casa que mudou a vida de nossos avós, nossos pais ou ainda de muitos de nós. A questão agora é: o que é que vai substituir o espaço? Provavelmente um centro comercial com a hipotética possibilidade de albergar uma pequena e moderníssima sala de cinema, uma sala de espectáculos (o que já seria bom) ou ainda o sonho do João Branco tornado realidade. O Éden-Park está encerrado desde 2006 por decisão dos sócios em vender o espaço e Empresa e devido à incapacidade da sobrevivência do cinema perante aos factos actuais. Porém um negócio desses precisa de algum tempo para se concretizar e durante esses últimos tempos de espera o espaço foi violado e roubado várias vezes, deixando rasto de destruição de portas e janelas e o desaparecimento de bens como aparelho de fax, parte do sistema sonoro (amplificador e leitor de CD) e todo o cortinado do palco.
E a Câmara Municipal de São Vicente? Muitas ideias e alguma boa vontade chegaram a Câmara Municipal, que não mostrou grande empenho para evitar a situação. Porém, segundo a gerente do cine Éden-Park, há uma promessa por parte do órgão máximo do Município de São Vicente em pressionar ao novo dono no sentido de incluir, no projecto para a nova obra, uma ou duas salas de cinema e a não destruição da fachada principal, um ícone dessa cidade. Outra iniciativa é a criação de uma cinemateca para esta cidade, em que estará incluída uma sala de projecção. Também está em estudo a criação do primeiro Museu do Cinema
E o governo? O processo Éden-Park é mais uma prova do abandono de São Vicente pelos sucessivos governos que a Ilha tem conhecido. O Éden-Park pode ir abaixo em prol do “desenvolvimento” e em detrimento à cultura deste povo, mas a sua história não se apagará de nossas memórias. E mesmo que muitos não queiram e se sintam incomodados, mesmo que essa verdade doa, São Vicente foi, é e sempre será a Capital da Cultura de Cabo Verde. Não se trata de uma imposição mas sim da natureza de seu povo.
Recentemente abordado pelo jornal “A Semana”, em grande entrevista, sobre o facto de João Branco ter confidenciado no seu blog pessoal, www.cafemargoso.blogspot.com , que um dos seus sonhos para 2008 é que a Câmara Municipal de São Vicente compre o Éden-Park e o transforme num teatro nacional e da possibilidade do estado tornar esse sonho realidade, o Ministro da Cultura responde (citamos): “Eu penso que o Éden-Park já foi vendido ou está em processo adiantado de venda. Caso a venda não se tenha efectivado ainda e, se porventura a Câmara local quiser recorrer à banca para possibilitar a aquisição desse espaço, para o fim proposto por João Branco, o Ministério da Cultura utilizaria de toda a sua influência para convencer o Governo a dar um aval ao pedido de financiamento bancário por parte da Câmara local.”
Como dir-se-ia em bom crioulo, “tarde piaste”! Já não há retorno e São Vicente perdeu uma parte de sua história viva. Cabo Verde perdeu um símbolo da nossa cultura e conhecimento. Um dos motivos dos cabo-verdianos terem ficado sempre à vontade nos países de emigração. Um potencial veículo linguístico e uma porta aberta para o mundo. O orgulho dos mindelenses e das várias gerações de artistas, intelectuais e grandes nomes de uma nação. E deixo aqui meu grande apreço para esta empresa e casa de cultura, como amigo, colaborador, amante da cultura e eterno cinéfilo. É a queda de um anjo mas não a morte do nosso espírito cultural. Serei para sempre orgulhoso de ter feito parte dessa história.
Bem haja, Éden-Park!
Neu Lopes
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